segunda-feira, 16 de abril de 2012

“As antigas primaveras” (16/04/2012)


Tonia, Odete e Virgínia eram muito amigas. Meio fora de época exibiam seus azuis, brancos e grenás em grandes coroas nos cabelos armados e volumosos em um demodê quase que ultrajante. Os perfumes fortes eu conseguia sentir da minha janela toda vez que passavam. Mas também não posso negar a graciosidade de suas maneiras e como enfeitam o chão onde se encontram. Passa o vento e elas delicadamente balançam seus braços colocando tudo de volta ao seu lugar. Tomavam sorrisos desatentos, olhares apaixonados. Ah, quantos sonhadores estiveram sob suas vistas, elas até sussurravam alguns conselhos. Teimosas sem dúvida, coisas da idade, ninguém sabe bem ao certo quanto tempo vivem ali. Não sei quando comecei a observá-las, mas elas falam da vida muito antes de mim. Fofocam feito passarinhos que cantam entre os galhos, quando ouço algum chiado, já sei que as três velhas amigas se encontraram no jardim.

Um dia desses as encontrei desavisadas espalhando flores pelo chão da praça, já faz tempo que passou a primavera, mesmo assim, por capricho talvez, forraram o chão de pétalas coloridas: azuis, brancas, e grenás. Foi uma alegria especial a um casal de namorados que deitados se divertiam ao despetalar mal-me-queres agora que já não os importava mais. Um velha senhora alcançou uma flor azul turquesa e pôs em seus cabelos abrindo um sorriso que parecia vir de muito tempo no passado. Um poeta, em dúvida e conflito, se deparava entre as dores das flores tiradas de seus lares, e os amores conquistados pelos buquês. Assim eram estas velhas amigas que mudavam qualquer rotina com seus enfeites. Chegaram até um dia a competir para ver quem tinha o mais bonito, mas há muito tempo aprenderam a dividir o mesmo espaço. Agora depois de velhas, resolveram brincar com alguns distraídos que passam sem saber onde estão, achando que talvez ainda possa ser verão. Divirto-me, toda vez que abro a janela e ao vê-las dançar entre os ventos vendo minha atenção aos seus trejeitos e espero em silêncio a travessura, coisas de velhas malucas, coisas de crianças eternas.

Hoje abri minha janela para o canteiro da praça recortado pelas avenidas. Foi só isso que avistei. As formosas madames de outro dia que imperavam em pleno outono estavam irreconhecíveis. Galhos secos, tronco curvado, e o chão aparecendo a terra. A poesia de minha vista tinha se desfeito durante a noite. Mas sorri. Não é a primeira vez que isso acontece, e elas sempre me entregam em segredo que voltam. Elas sempre voltam e eu fico aqui a espiar.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

Um comentário: