terça-feira, 19 de dezembro de 2017

“Crônicas de um diário inconstante – A paixão”

A paixão é uma força avassaladora. Algumas vezes foge do limite do ponderável, do possível e até mesmo do aceitável. Mas ainda sim é uma força que precisa ser respeitada. Ela toma o melhor de nossas atitudes, ela nos leva a ignorar os outros, os conselhos, as verdades. É preciso compreensão aos apaixonados, é apenas impulso, apenas a natureza agindo, é preciso paciência. Veja por exemplo essas milhares de pessoas que encontramos no transporte público todos os dias, tão dedicadas, fiéis, e comprometidas. Sem medo de demonstrar seus sentimentos, sem pudor nenhum, sem mesmo a percepção da proporção que sua paixão toma. Entram nos trens e ônibus e sem titubear agarram-se ao suporte. A paixão funciona assim como um imã. De frente, de lado, costas com costas, o envolvem, as vezes até mesmo retiram outras pessoas e tomam todo para si. Aqueles que estavam ali querendo se segurar, querendo algum amparo depois de um dia de trabalho precisam enxergar e buscar no coração a solidariedade com essas pobres almas que não controlam suas atitudes e precisam se atracar com os canos suportes. Ocupam o lugar onde caberiam quatro, cinco talvez, mas o que é o espaço no transporte comparado com a importância dessa paixão. Poderiam ser menos possessivos, dar lugar, mas muito de nós não aceitaríamos ninguém nem perto do nosso amor. Por isso muitas vezes o abraçam que parecem que vão arrancar de tanta força, pele com metal em uma simbiose única. Um conto de fadas do mundo urbano moderno, ah...as pessoas e os suportes, que coisa mais linda. Eu nunca tinha reparado de perto as nuances desse sentimento até alguns dias atrás quando distraído dentro do meu próprio mundinho tive a fútil preocupação de dar sinal para descer do ônibus, erros de alguém ainda muito inexperiente nessa vida, e o casal que estava contra o suporte (sim os suportes algumas vezes têm uma relação a três, e muitas vezes um relacionamento aberto) me fuzilaram com o olhar e eu senti todo poder dessa paixão, como pude me intrometer em um momento tão sagrado, prejudicando a união de almas gêmeas. Por isso peço paciência com essas pessoas, paixões precisam queimar até o fim. Agora devo confessar que fico com dó dos suportes, sempre a mercê, sempre presos nessa união e agora com a tecnologia colocando em risco suas relações. É verdade, podem reparar. Seus amantes lhe entrelaçam a perna, contornam com o braço, mas lhe desviam o olhar e os dedos incessantes teclam no celular. Nem mesmo os suportes estão livres das mazelas das redes sociais. 

Ass: Danilo Mendonça Martinho