quarta-feira, 15 de março de 2017

“Hamletiniano” (09/03/2017)

Viver ou não viver? É a tradução mais sincera dessa pergunta amedrontadora que por um instante supõe que a existência dessa consciência passageira esteja sujeita a uma escolha tão simples como abrir os olhos pela manhã. 

Na minha mão em inglês arcaico vejo pela primeira vez o original que já não o é. Carregado de séculos de história e versões. Determinado e resignificado. São tantas suas possibilidades que reviso as minhas intenções. Mas o desejo é tentar traduzi-lo com meu inglês sem escola. Traduzi-lo em uma sincera e abstrata poesia. 

Traduzir palavras tão distantes de sua verdade é fazê-las se perderem de uma vez, libertas de sentido. Serão vítimas do meu contexto, reais e deturpadas, sem mais chances de defender suas origens, a mercê do tempo e seus passageiros. Traduzir essas palavras é quase como negá-las a pureza que lhe resta, é negar sua própria existência. 

Com um indiferente perdão poético o faço:

Viver ou não viver? Apavorante questão 
É mais nobre sofrer do que desistir 
Abraçar as mazelas e dores de nossa sorte 
Ou com as próprias mãos enfrentar a maré 
E ao enfrentar, encerrar em si o sentimento? 
Morrer ou dormir, não importa mais. 
Em um sonho encontrar nosso fim 
O coração partido, e as milhares de cicatrizes 
Que a carne deixa de herança para alma. 
É a chama da qual desejamos e somos devotos que nos consome. 
Morrer ou dormir, dormir! 
Pela chance de sonhar: Sim, essa é a saída. 
Pois dormindo não vivemos e o que podemos sonhar 
Quando desconectados dos limites do corpo 
Devem nos trazer alento 
Um novo respeito as calamidades dessa vida tão longa 
Para aqueles que vestem suas verdades e encaram sua rotina. 
O poder corrompe, o orgulho cai 
O Amor é negligenciado e tarda o perdão 
O cansaço do trabalho e dos espinhos 
Esse paciente mérito desmerecido 
Que poderia em seu sossego 
De mãos limpas nos tirar a vida. 
Quem pensaria em aguentar? 
Viver sob suor e lágrimas 
Em vez de encarar o desconhecido 
O silêncio que nenhuma palavra quebrou. 
O desejo está em pedaços 
E nos faz aguentar estes pesos 
Em vez de encarar o precipício dos nossos sonhos. 
A consciência do impossível deixa nossos pés no chão 
E portanto as primitivas cores do olhar 
Se diluem em um pensamento cinzento 
E a aventura à flor da pele se resguarda 
Suas correntezas se confundem 
Se perdem em nome do nada. 

Ass: Danilo Mendonça Martinho

*Inspirado no texto de Hamlet, Shakespeare. E no espetáculo "Hamlet, processo de revelação", dirigido por Adriano e Fernando Guimarães, interpretado por Emanuel Aragão.

terça-feira, 7 de março de 2017

“Ensaio dos 30 anos” (07/02/2017)

Crescer me apequenou. Eu não tinha medo das minhas opiniões, eu abraçava com mais facilidade meus sonhos, eu tinha vergonha dos meus erros mas nunca os escondia, cresci errando. Eu acreditava nas minhas verdades e brigava pelo que parecia certo. Eu levantava a mão para questionar. Eu era mais livre nas minhas escolhas. Minha timidez inibia minha coragem mas não tirava sua força. Minha voz não embargava a qualquer momento. Eu tinha aprendido a me virar. Não congelar diante o desafio. Nunca me deu branco. Eu duvidava muito menos de mim, hesitava muito menos. Era mais cheio de palavras. 

A idade está comigo, as responsabilidades, as contas, a casa para cuidar, o casamento para amar, o trabalho para cumprir, os sonhos para seguir. Mas ando esquecendo de tudo. Deixando o importante de lado, deixando acumular as ideias, fazendo apenas o necessário. Escondi-me tanto da realidade que hoje é quase um processo involuntário. Uso as complexidades de meu pensamento para algumas poucas bobagens. Culpo a rotina pela distância e os abraços que não dou são os mesmos que me faltam. O espelho ou não mostra ou me engana, pois não vejo nenhum adulto. Por dentro então tudo é um grande receio: falar, ser, opinar, acreditar, assumir, conquistar, sonhar, crescer. 

Até um momento era tudo potencial e tudo se esvaiu como um rio diluído no mar. Irreconhecível e esquecido na imensidão sem norte. Entre tudo que eu poderia agarrar nesse naufrágio das idades da vida, como raios eu fui esquecer da vontade. 

Ass: Danilo Mendonça Martinho