quinta-feira, 31 de março de 2011

“Defesa Final” (25/03/2011)


O outono nasce dentro de mim aconchegando cada sentimento. O frio me toma a pele, busca por companhia, exige o encontro com a alma. A natureza se desfaz das suas barreiras e nos toca no íntimo, forra nosso caminho de belezas, aproxima o horizonte. Caem sobre nós variações de um cinza que não chora, nem lamenta, mas abraça, congela momentos num quadro preto e branco. A vida não é sem cor, ela apenas às vezes a dispensa, prefere o nu, o sensível, o humano. O sol é pontual brilhando sem esquentar, transformando tudo em uma fotografia antiga em tons de sépia, como se essa memória fosse para sempre. Aqui somos nos mínimos detalhes dentro da serenidade dos dias que não arrastam, mas caminham. Como é importante viver cada passo, a vida só vale por completo. O céu fica alternando suas vestimentas brancas e azuis, e sempre construindo imensidões, chegamos aos lugares mais escusos do âmago. É tempo de descobrir nosso próprio universo, seus cantos, seus silêncios, seus espaços. Faço moradia nesse estado que posso chamar de meu, que sempre posso voltar e me fará sobreviver por outras estações. Momentos assim raros, todo viver o é, e percebê-lo desta forma é metade do caminho. Como é bom saber para onde. Esse ar aparentemente inerte dá uma sensação única de direção. Faz do futuro agora. Encho meus pulmões da mais fina esperança, arranjo uma cadeira na varanda, acendo um lampião na entrada e assim espero por qualquer inverno. O outono é um tipo de paz.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

segunda-feira, 28 de março de 2011

“Garoa” (20/03/2011)

Dorme comigo
Cadenciada e serena
Como a me ninar
Ao te ouvir
Cedo um sorriso
Sei, será breve
Por isso não te nego
Ter é uma ilusão
Entregar-se é comunhão
Somos uma intersecção
De caminhos independentes
A distância não importa
Se os encontros forem completos
Hoje veio me deitar
Abraçar-me em um sonho
Não veio matar saudade
Veio dizer que nunca partiu
Mesmo sem teu gosto
Mesmo sem teu cheiro
Sinto-te a flor da pele
Sussurrando segredos
Procurando por paz
Dou-te toda razão
Tu ponderas minha dor
Entende minha melancolia
Entrega-me outro horizonte
Lenta ou enfurecida
Deixa teu recado
Um verso em silêncio
Aqui sempre te encontro
Em um suspiro

Ass: Danilo Mendonça Martinho

quinta-feira, 24 de março de 2011

“Paradoxo” (17/03/2011)

Não foi teu corte novo
Não foram seus olhos profundos
Não foi teu sorriso pontual
Não foi nosso longo abraço
Não foram as promessas
Não foi te ver partir
Não foi o sufocar do sentimento
Não foi a sensação de adeus
Não foi a perda do sonho
Não foi a consciência do fim
Não foi te amar

O que amarga meu âmago
É minha cama vazia
Que nunca esteve
É sentar na mesa sem companhia
A qual nunca me cedeu
É ouvir o chuveiro escorrer
E saber que jamais foi você
É olhar pelos cantos
E não enxergar uma lembrança
Dói ainda mais perceber
Que para te esquecer...basta acordar.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

segunda-feira, 21 de março de 2011

“Último final” (14/03/2011)

Lamento informar que somos os mesmos
Nos encontramos no mesmo vazio
Sucumbimos diante a mesma promessa
Dói
Como se fosse a única coisa a sentir
Um âmago que grita por ajuda
Um coração pronto para desistir
Canso
Palavras, gestos e abraços
Futilidades de uma rotina
Como se simplesmente não soubesse
Recuso
Não preciso me sentir assim
Todos amamos com limites
Preciso voltar para dentro dos meus
Acabou
Não quero que deixe esperança
Devolva-me a chave de minha alma
E não me volte com algo menor que o amor

Ass: Danilo Mendonça Martinho

quinta-feira, 17 de março de 2011

“Brilho da Noite” (09/03/2011)

Há quanto tempo não me caia uma estrela. Fazia já meses que a luz se perdia na escuridão, mas hoje me cercaram. Queria poder registrar sua presença para quando minha procura for vã ainda assim te achar. Mas tu é sombra, esconderijo de desejos. Brinca com intensidades, desaparece com sentimentos. Tu és parte misteriosa da noite e mesmo sabendo que tudo pode levar, abri-te os braços. Abdiquei de instantes por teu olhar, para descobrir que senti tua falta. Ah, estrela qualquer que me observa sem palavras, já te conheço e sei que cai sem nomes, mas bem que em algum dia poderia me procurar.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

segunda-feira, 14 de março de 2011

“Cicatrizes” (03/03/2011)

Não há luz no fim do túnel
Abraço no final do dia
Compreensão no fim do romance

Nem sempre a verdade vence
O coração prevalece sobre a razão
O herói também morre

Todo desejo se apaga
O sentimento se consome
A esperança tem limite

Há dores que ficam
Pessoas que se perdem
O tempo não cura

Não existe promessa eterna
Compromisso sem dúvidas
O amanhã não dá garantias

A sinceridade é um acaso
O irracional uma consciência
Tudo é uma escolha

A distância é uma desculpa
A saudade uma muleta
Quem quer encontra

Fingir não protege
Calar não disfarça
O “não” sempre machuca

Desculpas não amenizam
Arrependimento não mata
Compaixão também é egoísmo

O querer não desaparece
Amizade não substitui
Rejeição é separação

No fim de todo sonho
Existe realidade.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

quarta-feira, 9 de março de 2011

“Entre a dor e alegria” (07/03/2010)

A noite se aproxima como quem se aproxima do sonho. A gente veste a máscara, constrói a fantasia. A festa começa por dentro. A luz acesa no olhar multiplica em outros rostos, reflete pelas ruas onde brotam esperanças. É tudo que o corpo precisa para abrir os braços, negar os medos, cegar as incertezas. A multidão não pede identidade. Tudo é supérfluo, efêmero e intenso. Não há nada do que se precise, mas muito do que se quer. A vida tem um lapso de infância, gosta e desgosta, usa e já não quer mais, esperneia e faz birra se não consegue. Mas logo esquece, quer voltar a brincar. E no jogo infantil se jogam desejos maduros. O beijo vira romance e o abraço história de amor. Celebra-se o encontro como se fosse único e promete-se liberdade para o amanhã. A festa segue sempre com novos passos e nunca com destino. Se a madrugada te perder será melhor, quando não há tempo não é necessário julgamentos. Se valer a pena seremos memórias, se não basta acordar. A noite não precisa de estrela e a manhã de raiar do sol. O coração serpentina desfeito e o corpo mundano satisfeito, tudo pode acabar.

A dor começa como o amanhecer em cada feixe de luz que vence a fresta. A inevitabilidade do fim. Um conjunto de suspiros lamentam um sonho coletivo particular. Alguns enxergam o martírio das desventuras das fantasias, das máscaras que vem a cair. Outros se prendem aos desenganos e transformam na sua verdade a ilusão. Por um momento parece que sempre que acordarmos será esta quarta-feira. O que fica, o que marca, o que faz disto algo tão especial é esse sentimento, a consciência de que acabou. Há poucas coisas na vida que já se planeja o choro e o luto. A realidade é que o carnaval é feliz por completo, dói por completo e chora até a última lágrima. Há tantos amores inacabados, amizades mal resolvidas, mas o carnaval é o equilíbrio da dor e da alegria. Quem dera a vida fosse sempre assim: um sorriso para cada lágrima.

Ass: Danilo Mendonça Martinho

quinta-feira, 3 de março de 2011

“Sarau” (01/03/2011)

Comecei meu discurso
Palavra por palavra
Desfilaram pelo âmago
Caminhavam para o abismo
Sem certeza de uma volta

Despediam-se cordialmente
Levavam suas dores na bagagem
Mas deixaram lembranças
Como quem planta rosas
Viverei com os espinhos

Na completa ausência
Fui embargando a voz
Descobri tarde demais
Que me faltava significado
Até mesmo pro amor

Calei meu último verso
Procurei por um olhar
Todos mergulhados em expectativas
Mas nenhuma reciprocidade
A solidão não pedia palavra

Assim deixei o palco
Sem vaia e sem aplauso
Sem verso e sem rima
Respeitei o silêncio
Do que já não sentia

Ass: Danilo Mendonça Martinho